O Centro Espírita Francisco de Paula Victor há 30 anos
fornece sopa para famílias carentes, e traz acompanhamento espiritual às
pessoas que o procuram
Luane Tenório
Ajudar o próximo sem esperar visibilidade.
Atualmente é possível existir pessoas assim? Que deixam o egoísmo, as
preocupações e as dificuldades da vida de lado, ao ponto de ajudar quem precisa
de forma altruísta? Pode–se considerar
que pessoas assim são raras. A maioria, hoje, pensam no seu próprio bem, olham
somente para seu “eu”. Contudo há grupos, entidades, instituições religiosas e
outras ausentes des crenças tradicionais que têm fugido à regra moderna de
“caridade” em troca da “visibilidade benevolente”. Caso deste enredo é o Centro
Espírita Francisco de Paula Victor, em Limeira. Uma entidade espírita que possui
diversos trabalhos sociais, um deles é o projeto, “Sopa Fraterna Meimei”, que
por meio do alimento ajuda pessoas em situação de vulnerabilidade social a
terem o que comer nos próximos dias e também dão o alimento para a alma, a
palavra do evangelho, como explicam. O projeto é desenvolvido todos os sábados
a partir das 8h. Luis Henrique Barbosa é voluntário do projeto e responsável
por recolher os alimentos que são fornecidos por alguns supermercados. Os
alimentos são para prepararem a sopa que será fornecida no Centro.
Acompanhei Barbosa na rotina que ele
percorre todos os sábados, recolhendo os alimentos nos pontos específicos que
ajudam voluntariamente o Projeto. Às 8h10min. partimos do Centro Paula Victor
com uma caminhonete até a fábrica de separação de laranjas, lá foram recolhidas
cerca de 6 caixas que a distribuidora doa. “As laranjas servem para fazermos o
suco para as famílias e as que sobram fazemos as sacolinhas, com outras frutas
e distribuímos para as famílias assistidas”, disse o voluntário.
Após o recolhimento das laranjas, voltamos
ao Centro para descarregar todas as laranjas e para começar a preparação do
suco e das sacolinhas. Partimos então em direção ao supermercado que chamaremos
de supermercado 1, (preferiu-se não identificar as redes). Aproximadamente
100kilos de verduras, legumes, frutas, mesmo estando “feio” por fora, são
aproveitados, em especial os que dão para serem utilizados. Retornamos ao
Centro e novamente descarregam a caminhonete. Durante nossa trajetória Barbosa
conta sobre sua satisfação em participar do projeto. “Quem acaba sendo ajudado
‘espiritualmente’ sou eu” relata. Partimos então para o último supermercado, o
supermercado 2, onde foi recolhido por volta de 50Kilos de frutas e legumes. No
caminho de volta para o Centro, uma parada para recolher em mais uma
distribuidora de sucos natural de laranja. Seguimos para o Paula Victor onde
será descarregado novamente todo o material recolhido. Primeira parte
concluída.
Agora é a vez da equipe da cozinha
entrar em ação. As
mulheres com toca na cabeça, e com a maior satisfação, separam as frutas e os
legumes que foram recolhidos e começam a selcionar os que serão cozidos para
ser servido junto à sopa, e o que sobra vai para as sacolinhas que serão
distribuídas a tarde.
Lígia Corte Tedesco realiza o trabalho há
dois anos. “Preparo a sopa com muito amor e muito prazer”, disse a terapeuta
ocupacional, que aos sábados é cozinheira do projeto.
A comerciante Lilian Degan, afirma que o
trabalho voluntário é muito gratificante. “Sinto muito honrada em poder ajudar
ao próximo, não espero nada em troca, faço com amor”.
O diretor do departamento da sopa,
André Luis Mercuri Calderini, é cirurgião dentista e aos sábados dedica parte
de sua vida a famílias que são assistidas. Calderino explica que o principal
objetivo da sopa é fazer a caridade sem esperar nada em troca. “Ajudamos as
pessoas que passam por dificuldades servindo o alimento para o corpo e o
alimento para a alma, sem esperar o retorno”.
Às 13h30 chega à primeira mulher
assistida pelo Centro. Eufrosina Moreira Manuel, de 70 anos, espera sentada
numa cadeira de plástico, vestida com uma camiseta escrita Brasil. Eufrosina um
pouco tímida e com um sorriso no rosto conta que frequenta a casa há 10 anos e
que vem todos os sábados ouvir a palavra e comer da sopa. “Gosto muito de vir
aqui, não vejo à hora de chegar o sábado para comer a sopa”, disse a
aposentada.
Em seguida, às 13h42, chega à segunda
senhora, Paula Melosi, de 72. Paula frequenta o local há dois anos, a moradora
do jardim Anavec I conta que a sopa que é fornecida é muito gostosa, e afirma
que as sacolinhas de mantimentos ajuda ao longo da semana. “A sacolinha ajuda
muito minha família, conseguimos passar a semana inteira com as frutas,
verduras e legumes que eles dão pra gente”.
De acordo com o diretor, as sacolinhas é a
sobra do que foi arrecadado no sábado. “Tivemos a ideia da sacolinha, pois não
é todas as famílias que têm condição de comprar frutas para os filhos ou ter
legumes, em casa, então fazemos as sacolinhas para que elas possam ajudar
durante a semana”, ressalta Calderini.
A partir das 14h começam a chegar mães com
suas crianças. São assistidas pela entidade cerca de 60 famílias, devido a
problemas com maridos alcoolizados, o Centro Francisco de Paula Victor permite
somente a entrada para comer da sopa mulheres e crianças.
Chegando todas as mulheres e crianças, o
diretor do projeto, dá boa tarde a elas e convida-as a fazer uma roda e orar,
para então, ser servido primeiro o “alimento para a alma”, depois o físico.
Crianças são ministradas em sala separadas das suas mães. O conteúdo das aulas
vai de brincadeiras, canções a ensinamentos da doutrina espírita. Ao lado, na
sala das mulheres, o ensinamento é sobre amar ao próximo e fazer o bem,
princípio de conduta para a religião espírita. Calderini explica que a maioria
das pessoas que vêem em busca da sopa, são católicas, elas buscam o alimento,
mas também encontram o que precisam para a alma, o amor de cristo. Além do
evangelho e doutrina espírita as famílias aprendem também sobre higiene
pessoal. Enquanto estão participando da partilha do evangelho, a equipe de voluntários
prepara a mesa. Sete panelas com capacidade para 7 litros cada uma, duas
panelas com 14 litros
de suco natural de laranja e pão francês também são colocados à mesa.
A reunião do evangelho dura por volta
de 30 minutos. Às 15h30 todos já alimentaram o espiritual, chegou à vez de
alimentar o físico. Mais uma vez se reúnem no salão principal para então ser
servida a sopa.
Sorrisos marcavam por toda a parte o
Centro Espírita. Enquanto aguardavam ser servidas, as crianças brincam uma com
as outras.
A solidariedade pode ser de várias formas.
Seja no impulso provocado por uma tragédia, seja em forma de trabalho
voluntário, assim como faz o Centro Francisco de Paula Victor, ou até mesmo no
dia a dia no trato com as pessoas. Isso desperta as mais nobres aspirações da
humanidade: a caridade, ajudar ao próximo.
Quem recebe um ato solidário conquista
benefícios. Mas quem oferta momentos de afago, carinho e doação aos outros
ganha ainda mais. São valores morais socialmente constituídos vistos como virtude
no indivíduo. Não se deve esquecer, contudo, o potencial transformador que
essas atitudes representam para o crescimento interior do próprio indivíduo.
Afinal, quando saímos do nosso “mundinho”, conseguimos interpretar de outras
formas, muitas vezes com maior amplitude.
Juliana Aparecida Ferreira de 28 anos
moradora do jardim Vanessa, conta que está uma delícia a sopa. “Hum que
delícia. Muito bom esta sopa, venho todos os sábados e trago meus filhos”.
Após todas as pessoas já terem se
alimentado, Calderini avisa que tem sobremesa. “Hoje temos sorvete”. A turma de
voluntários rapidamente se prepara para servir o sorvete, naquele finzinho de
tarde quente. Uma a uma, as pessoas pegavam o sorvete e iam se despedindo, para
se encontrarem novamente no próximo sábado.
A recompensa em ajudar ao próximo
torna-se prazerosa e do ponto de vista religioso, acredita-se que a prática do
bem salva a alma. “A
solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade
humana”. A frase de Fran Kafka expressa com exatidão o trabalho voluntário, que
tem como princípio a caridade e o amor ao próximo.